domingo, 16 de novembro de 2008


Um homem se questionava sobre o espírito presente não na natureza, mas no fundo do espelho diante do qual se reencontrava cada manhã. Ele perguntou-lhe, fixando-o profundamente: “Será que um dia você poderá ver como eu te vejo, ver como vê um ser humano”? O espelho começou a refletir longamente, a analisar quais seriam suas maneiras próprias de ver e olhar. Enfim, ele imprimiu sua resposta sobre o fundo de estanho, como todos os espelhos fazem. O homem se extasiou quando descobriu essas palavras, impecavelmente traçadas sobre a superfície polida: “Isto-me-lembra-uma-história”. Aturdido ainda, o homem lhe respondeu: “O que é uma história?”. O espelho lhe respondeu: “São pequenos nós, maneiras de ser atadas e reatadas, modos de ser reunidos , como você e eu, estamos, neste momento”. Acrescentou: “Minha história não é apenas a sua, a de seu pai e de sua mãe, a história do afeto que você foi - antes disso - a história do nascimento da animalidade e a história da emergência da vida; é também a história do nascimento da sombra e da luz, a história de teus olhos que aprenderam a ver e a não ver, a história das representações humanas, a história da perspectiva, a história das imagens que fabrico e das imagens que você concebe para tentar se entender. Todas essas histórias são de nós, imediatamente legíveis”. O espelho, então, estremeceu e, em seguida, esfacelou-se no chão. Perante o homem, havia apenas uma fotografia.
Etienne Samain

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