sábado, 29 de novembro de 2008

... resposta a Dream Theater - "Vacant"...



Quando ouvimos música, os sons que adentram nossos ouvidos nos invadem e nos dão a sensação de uma plenitude abstrata: vibrações que tocam nossa sensibilidade impalpável. Pelo teor imaterial de tais percepções, a música aproxima-se da matemática. Pela comoção de nossos sentimentos, de modo quase que inexplicável, ela provoca emoções, algo que nenhuma fórmula pode nos propiciar. Equações de afetos.
Mas ao perfazer seus caminhos em meio às ramificações de nossa psique, alma e corpo, os sons podem percorrer predominantemente duas direções opostas: ou vão mais para baixo, rumo ao corpo; ou tendem a se elevar em direção à energia pensante que, nos parece, paira acima de nosso cérebro.
Se, por fim (ou por começo?), isolarmos toda a massa concreta de nossa face e crânio, cérebro incluso, da nossa faculdade abstrata de pensar, a partir de que lugar falaríamos? Da cara, crânio e cérebro que não refletem nem pensam, ou do próprio pensamento? Neste ponto, já perderíamos a fala, e a língua abstrair-se-ia em pura linguagem.
E eis aí, de novo, o ápice da dúvida que levou o Filósofo a descartar tudo, menos o cogito, na mais soberba de todas as formulações da filosofia: sou enquanto penso, não necessariamente enquanto sinto…
Nisso reside à diferença substancial entre a música de entretenimento e uma outra, que nos inter-tem e se envereda pela mais impura das especulações acerca dos (i)materiais sonoros. Se os sons que adentram nossos ouvidos vão preponderantemente para baixo, dirigem-se ao corpo, modelam-se aos pés e evocam a dança, atrelam-se ao ritmo, alinham-se às pulsações do coração, provocam a comoção potencialmente catártica das massas uniformes, corpos de bailes. Se vão para cima, reforçam sua índole abstrata, fazem com que esqueçamos do tempo, priorizam as relações harmônicas, abandonam o terreno rítmico e adentram o âmbito quase imensurável das durações, paralisam o ente-ouvinte diante de uma porção da eternidade, aproximando-o da estonteante velocidade da luz, e isolam seus criadores mais radicais, desnudados e alvejados por corpos dançantes, em suas torres de marfim.
Orgasmo, ápice que passa, e tesão, gozo que permanece: indo para baixo, em sentido inferior, os sons vão ao encontro do belo, corpóreo e efêmero como toda contingência; mas para cima, atingem o sublime, algo superior, histórico e imbuído de memória, como toda essência. E quando o fazem, arrebatam toda sensibilidade, causando-nos os arrepios de que só a música é capaz. O belo, aí, desvenda-se como neurotransmissores do sublime, pois arrepiar-se nada mais é que elevar os pêlos, elementos corpóreos de superfície, para cima! É o que nos propicia a escuta, em ziguezague quântico, dos grandes Bs, Ms e Ss da história: Bach, Schubert, Mozart, Beethoven, Monteverdi, Stravinsky, Brahms, Strauss, Berlioz, Webern, Schoenberg, Boulez, Mahler, Bartók, Messiaen, Berg, Schumann, Stockhausen, Berio…
Não à toa a dança mais extraordinária é a que se demonstra capaz de coreografar o silêncio, pois toda obra musical de gênio, completa, complexa, aponta soberbamente para múltiplas direções, afetos e especulações, mas jamais deixa de exercer a preponderância do sublime diante e a partir do belo.

# Flo Menezes

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* foto: Orquesta Sinfônica Jovem Prof. Mariuccia Iacovino.
Apresentação sala Cecilia Meireles - Rio 27/12/2008.

# http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=Flo+Menezes
http://sites.uol.com.br/flomenezes
* capa do disco Dream Theater Título:Train Of Thought
Ano: 2003

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

... asas do desejo...



"Pés para que os quero se tenho asas para voar." Frida Kahlo




... Quem conhece sua vida sabe que se alguém precisava de asas
era ela
e se alguém as teve
foi ela
e se alguém as usou para voar bem alto...
esse alguém
foi ela...
... Frida Kahlo
era uma mulher
era um pássaro
e ainda hoje
voa...
Frida , Frida ... Laranja, muito calor, anarquistas, um pintor famoso, comunistas, sapo gordo, espelho, Marx, cactos, um pavão com penas verdes, Trotsky, revolução, a dialéctica de Hegel, tequila, vestidos vermelhos, trança no cabelo, México dos Maias, Casa Azul... fugitiva d'uma caixa de Pandora ...
Dor... vivida...
vida e morte...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

... Terra em Transe...


Uma poesia ártica, claro,
é isso que eu desejo.
Uma prática pálida, três versos de gelo.
Uma frase-superfície onde vida-frase
alguma não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula, reduzida ao puro mínimo, um piscar do espírito,
a única coisa única. Mas falo.
E, ao falar, provoco nuvens de equívocos (ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.

Paulo Lemiski

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* foto: Glauber Rocha. "Inventaria-te antes que os outros te transformem num mal-entendido".
O Cinema Novo foi um movimento do cinema brasileiro que durou de 1955 a 1971 e sofreu influência direta do Neo- realismo italiano e da Nouvelle Vague francesa. Os principais diretores deste período foram Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Roberto Santos, Ruy Guerra e Nelson Pereira dos Santos que deu início ao movimento em 1955 com o filme Rio, 40 Graus.
* Assista: Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe, os dois do Glauber.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

... existe um instante???


Você já se perguntou o que marca o nosso tempo aqui???
Se uma vida pode realmente ter um impacto no mundo???
Ou se as escolhas que fazemos importam???
Às vezes para mover-se,
você precisa voltar....
nesse caso...
só alguns minutos...
Você já se perguntou o que marca o nosso tempo aqui???
um homem pode mudar muitas vidas???
...
Quando tantas pessoas estão solitárias o quanto parecem, seria imperdoavelmente egoísta se sentir solitário sozinho.
* um passo adiante e você não está mais no mesmo lugar!!!_____________________________________________
foto: Man Ray

Man Ray (1890-1976) é considerado um dos pioneiros mais importantes da fotografia contemporânea. As suas fotografias abriram novos caminhos, em especial no setor experimental. Juntamente com Lee Miller, desenvolveu o processo de solarização, que usou sobretudo em retratos, mas também em fotografia de nus.

domingo, 16 de novembro de 2008


Um homem se questionava sobre o espírito presente não na natureza, mas no fundo do espelho diante do qual se reencontrava cada manhã. Ele perguntou-lhe, fixando-o profundamente: “Será que um dia você poderá ver como eu te vejo, ver como vê um ser humano”? O espelho começou a refletir longamente, a analisar quais seriam suas maneiras próprias de ver e olhar. Enfim, ele imprimiu sua resposta sobre o fundo de estanho, como todos os espelhos fazem. O homem se extasiou quando descobriu essas palavras, impecavelmente traçadas sobre a superfície polida: “Isto-me-lembra-uma-história”. Aturdido ainda, o homem lhe respondeu: “O que é uma história?”. O espelho lhe respondeu: “São pequenos nós, maneiras de ser atadas e reatadas, modos de ser reunidos , como você e eu, estamos, neste momento”. Acrescentou: “Minha história não é apenas a sua, a de seu pai e de sua mãe, a história do afeto que você foi - antes disso - a história do nascimento da animalidade e a história da emergência da vida; é também a história do nascimento da sombra e da luz, a história de teus olhos que aprenderam a ver e a não ver, a história das representações humanas, a história da perspectiva, a história das imagens que fabrico e das imagens que você concebe para tentar se entender. Todas essas histórias são de nós, imediatamente legíveis”. O espelho, então, estremeceu e, em seguida, esfacelou-se no chão. Perante o homem, havia apenas uma fotografia.
Etienne Samain

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Espelho, espelho meu...


"O que é um espelho? Não existe a palavra espelho - só espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos. Em algum lugar do mundo deve haver uma mina de espelhos? Não se precisa de muitos para se ter a mina faiscante e sonambúlica: bastam dois, e um reflete o reflexo do que o outro refletiu, num tremor que se transmite em mensagem intensa e insistente ad infinitum, liquidez em que se pode mergulhar a mão fascinada e retirá-la escorrendo de reflexos, reflexos dessa dura água.
O que é um espelho? Como a bola de cristal dos videntes, ele me arrasta para o vazio que no vidente é o seu campo de meditação, e em mim o campo de silêncios e silêncios. Esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre sem parar: pois espelho é o espaço mais profundo que existe."

Clarice Lispector

Agora:

lendo " A maça no escuro" / Clarice Lispector
ouvindo Kodo/ Madeleine Peyroux / Yann Tiersenn / Astor Piazzola
arte ... eternamente Frida Kahlo...
e continuando a estudar Nietzsche


" Deus está morto"

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

"O Terceiro Mundo já explodiu, e o lixo está contaminando o universo!
Salve a boçalidade do submundo!
Quem tiver de sapato não vai sobrar, não vai sobrar, não vai!
O negócio é o seguinte: quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba! Estética do lixo!
Tudo está contaminado por uma incrível luz vermelha."

"Quem não pode nada tem mais é que se esculhambar."
"Posso dizer de boca cheia: eu sou um boçal."

* "O Bandido da Luz Vermelha".


O Bandido da Luz Vermelha é um filme brasileiro de 1968, , dirigido por Rogério Sganzerla e baseado na vida do famoso criminoso João Acácio Pereira da Costa, o "Bandido da Luz Vermelha". Um assaltante misterioso usa técnicas extravagantes para roubar casas luxuosas de São Paulo. Apelidado pela imprensa de "O Bandido da Luz Vermelha", traz sempre uma lanterna vermelha e conversa longamente com suas vítimas. Debochado e cínico, este filme se transformou num dos marcos do cinema marginal. ´
Quem não viu ... veja então!!!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

... paradeiro...

Haverá paradeiro para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício
Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio perto do precipício

















Haverá paraíso
Sem perder o juízo e sem morrer
Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
Num momento preciso
Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas antes do prejuízo
Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?
...

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?
Haverá paraíso

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letra: Arnaldo Antunes
foto: Pico das Agulhas Negras / trilha Morro do Couto
... continuo querendo desejar cada vez mais... Ah Lacan!

domingo, 9 de novembro de 2008

... OJOS DE YEMANJÁ


...
Olhei o espelho...
O esquecido da imagem...
Corpo de sereia,
olhos de fada em céu pintado,
ponto por ponto
Como o “TODO”
Só ele me entende...
Segredos em conchas do mar
por vezes silenciada...
e o sol no teu olhar
e a onda que vai quebrar ...
como o olhar que o tempo matou...


É na beira do mar,
brisa serena,
E na beira do mar, se serenou,
Na areia do mar, areia, areia
Maré cheia e mar, marenejou.

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faz alguns dias que fiz - cerâmica(grés) só falta queimar!!!
Saudades do mar...

* copiei o texto do meu Flog , pois algumas fotos se perderam no "obscuro universo internético"

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

.. de Krajcberg à..











.no espaço-tempo da vida de um homem, a Natureza é a medida de sua consciência e de sua sensibilidade, para chegar à certeza de que; a natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção, e um oxigênio mental: um naturalismo integral, gigantesco catalisador e acelerador das nossas faculdades de sentir, pensar e agir"
... Krajcberg

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Fotos : mangue em Picinguaba-SP,
Krajberg entre suas obras
pensando em "imagens de Krajcberg, Mangue Beat, Chico Science e Nação "Caranguejo com Cérebro", parece obvio eu sei, mas.....

terça-feira, 4 de novembro de 2008

E daí ... vais me bater?!


Temperamento impulsivo...
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda."

Clarice Lispector

OU NUNCA SEREI...

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

"Eu gosto dos venenos mais lentos, dos cafés mais amargos, dos doces mais azedos, das bebidas mais fortes, das músicas mais estranhas, das frutas mais verdes, das ironias mais finas, das conversas mais lúdicas, das dores mais amenas, e tenho apetites vorazes por saudades profundas, por causas perdidas, por distâncias inalcançáveis, eu sonho os delírios mais soltos, os sonhos mais loucos que há. E sinto uns desejos vulgares, navegar por uns mares de lá. Você pode me empurrar pro precipício, não me importo com isso... EU ADORO VOAR…"

Clarice Lispector

sábado, 1 de novembro de 2008

A contemporaneidade é Barroca?


... agora...
literatura " BEAT"
música gótica
revendo filmes clássicos ( M - O Vampiro de Düsseldorf /o próximo da lista)
estudando Nietzsche
arte Cindy Sherman


e sim, a contemporaneidade é Barroca ...

Um poema de amor - do " velho safado Bukowski”

Todas as mulheres, todos os beijos delas, as formas variadas como amam e falam e carecem.
Suas orelhas, elas todas têm orelhas e gargantas e vestidos e sapatos e automóveis e ex-maridos, principalmente as mulheres são, muito quentes elas me lembram a torrada amanteigada com a manteiga derretida nela. Há uma aparência no olho: elas foram tomadas, foram enganadas. Não sei mesmo o que fazer por elas. Sou um bom cozinheiro, um bom ouvinte, mas nunca aprendi a dançar — eu estava ocupado com coisas maiores.mas gostei das camas variadas, lá delas fumar um cigarro olhando pro teto. Não fui nocivo nem desonesto. Só um prendiz.
Sei que todas têm pés e cruzam descalças pelo assoalho; enquanto observo suas tímidas bundas na penumbra. Sei que gostam de mim algumas até me amam, mas eu amo só umas poucas.
Algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas; outras falam mansamente da infância e pais e paisagens; algumas são quase malucas, mas nenhuma delas é desprovida de sentido; algumas amam bem, outras nem tanto; as melhores no sexo nem sempre são as melhores em outras coisas; todas têm limites como eu tenho limites e nos aprendemos rapidamente.
Todas as mulheres, todas as mulheres, todos os quartos de dormir, os tapetes, as fotos as
cortinas, tudo mais ou menos como uma igreja, só raramente se ouve uma risada.
Essas orelhas, esses braços, esses cotovelos, esses olhos, olhando, o afeto e a carência me sustentaram, me sustentaram.
* foto Cindy Sherman